Salve, galera!
[Importante: eu não vou ensinar você a interpretar, pois isso é inerente a qualquer ser humano mentalmente sadio; antes, eu vou ajudá-lo a melhorar seu entendimento sobre o assunto, o que vai levá-lo a ter uma capacidade interpretativa melhor.]Primeiro de tudo, eu sei que o conceito de “interpretação (de texto)” é diferente do conceito de “compreensão (de texto)”. No entanto, em provas de concursos públicos, isso é 99% das vezes irrelevante (se você não crê em mim, pode parar de ler o texto aqui).
O grande fato é que você vai encontrar a resposta duma questão de interpretação de texto quase sempre DENTRO do texto, em sua superfície, de maneira explícita ou parafraseada. Portanto, não vou fazer a diferença entre um conceito e outro (interpretação X compreensão) para não perdermos tempo com o que não nos deve interessar.
Assim, vou chamar as questões de interpretação e compreensão de INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS, vou explicar esse assunto chamando-o de INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS. Fechado?!
Beleza! Vamos ao que interessa…
Um dos maiores problemas de interpretação de textos está na formação educacional do povo brasileiro. Eis três pontos que me chamam a atenção:
1) A escola brasileira (exceto a dos que têm grana!) é fraca em vários sentidos.
2) Os pais não têm hábito de ler com os filhos nem de conversar sobre livros ou textos com os filhos.
3) Há pouquíssima ou nenhuma frequência de leitura de gêneros textuais mais sofisticados, sobretudo os de grandes autores, o que torna nossa visão de mundo curta, limitada, simplista.
Enfim, falta hábito, cultura… falta treinamento para facilitar a interpretação de textos.
Agora, errar questões de interpretação é algo normal, principalmente porque há muitas questões mal formuladas por aí, como as da banca FGV. Nesse caso, não se culpe pelas m&#@$ das bancas.
Independentemente de todo esse cenário hostil, a única maneira de melhorar a capacidade interpretativa é 1) ler cada vez mais textos de gêneros diversos (de preferência, os sofisticados, como os poemas, contos e crônicas) e 2) fazer semanalmente questões de interpretação.
– Ok, Pest, ler mais e fazer questões. Mas só isso?
Entenda uma coisa: a compreensão de um texto está diretamente ligada à leitura e à escrita de textos.
Quanto mais se leem e se escrevem textos relevantes/sérios com frequência, mais se melhora a capacidade cognitiva. É um exercício para o cérebro.
Nego gasta rios de dinheiro com academia e suplementos para tornar os músculos corporais evidentes, mas não se preocupa com leitura e compreensão. Logo, o corpo cresce, mas o cérebro não.
Acorde! Quanto mais se lê, mais se entendem os mecanismos do texto. Quanto mais se entendem os mecanismos do texto, mais o seu cérebro tem capacidade para interpretar diferentes textos. Sua visão de mundo cresce, você se torna mais culto e reflexivo!
Pois bem… Vamos agora direto ao ponto. Objetivamente falando, segue o que se deve fazer para melhorar sua capacidade interpretativa:
1) É preciso ter um grande volume de leitura. É preciso frequência nisso. Faça da leitura um hábito! Isso vai tornar sua capacidade cognitiva gigante e fará você conhecer diferentes gêneros textuais (poemas, crônicas, editoriais, cartas, fábulas, etc.), familiarizando-se com os diferentes modos de organização discursiva (dissertação, narração, descrição, injunção, etc.).
2) Diante de um texto de uma prova, em que você terá de responder a questões de interpretação, leia-o despretensiosamente para saber do que se trata… por alto. (Uma técnica curiosa é fingir que o texto lido foi escrito por você. Ou seja, quando você escreveu o que escreveu, quais eram suas motivações, o que quis dizer com aquilo… Bote fé nessa abstração; pode ser que ela funcione bem com você.)
3) Depois leia de novo, com calma e atenção. Após isso, fragmente os parágrafos, resumindo e sublinhando a(s) ideia(s) principal(is). Ao fim, junte as partes resumidas para entender o todo.
4) Preste muita atenção nos elementos coesivos (conjunções e pronomes). Conhecer as conjunções e as relações de sentido que elas estabelecem é muito importante para que as ideias do texto sejam bem compreendidas – não só elas, mas todos os elementos coesivos, sobretudo os pronomes de referenciação, que mantêm a harmonia de sentido entre as partes do texto.
5) Na chegada às questões em si, fique atento ao enunciado (leia-o toda vez antes da leitura de cada alternativa); o melhor método é ler cada afirmação presente nas opções e tentar encontrar NO TEXTO se há base para aquela afirmação. É muito importante sublinhar as palavras-chave de cada afirmação presente nas alternativas e buscá-las no texto. Se houver alguma extrapolação ou contradição, aquela afirmação será riscada. Isso será feito até encontrar a afirmação correta.
Depois que você levar a sério todo esse processo, SEMANALMENTE, durante alguns meses, você vai se sentir MUITO mais seguro diante duma questão de interpretação – a “coisa” vai fluir naturalmente… Confie nisso!
“Ok, Pest! Na prática, vamos ver se tudo isso funciona?”
Agora! Veja o texto e a questão abaixo:
FCC – DPE/RS – 2017
O gol plagiado
“Jogador quer direito autoral sobre seus gols.”
Esporte, 20 jan. 2000
“Prezados senhores: dirigindo-se a V.Sa., refiro-me à notícia segundo a qual jogadores de futebol do Reino Unido, como Michael Owen e Ryan Giggs, querem receber autorais pela exibição de seus gols na mídia. Não tenho o status desses senhores – sou apenas um brasileiro que bate a sua bolinha nos fins de semana – mas desejo fazer uma grave denúncia: um dos jogadores citados (oportunamente divulgarei o nome) simplesmente plagiou um gol feito por mim.
Provas? Basta comparar os tapes dos referidos gols. No meu caso, trata-se de um trabalho amador – foi feito por meu filho, de dez anos – mas mesmo assim é bastante nítido. Vê-se que, como eu, o referido jogador estava num campo de futebol. Nos dois casos, a partida estava sendo disputada por times de 11 jogadores cada um. Nos dois casos havia uma bola, havia goleiros. Nos dois casos havia um juiz. No meu caso, um juiz usando bermudões e chinelos – mas juiz, de qualquer maneira.
Isto, quanto aos aspectos gerais. Vamos agora aos detalhes. No vídeo do jogador inglês, mostrado no mundo inteiro, vê-se que ele pega a bola na grande área, domina-a, livra-se de um adversário e chuta no canto esquerdo, marcando, é forçoso admitir, um belo tento, um gol que faz jus aos direitos autorais. No meu vídeo – feito uma semana antes, é importante que se diga –, vê-se que eu pego a bola na grande área, que a domino, que livro-me de um adversário e que chuto forte no canto esquerdo, marcando um belo tento.
Conclusão: o jogador inglês me plagiou. Quero, portanto, metade do que ele receber a título de direitos autorais. Se não for atendido em minha reivindicação, levarei a questão a juízo. Estou seguro de que ganharei. Além do vídeo, conto com uma testemunha: o meu filho. Ele viu o jogo do começo ao fim e pode depor a meu favor. É pena não ter mais testemunhas, mas, infelizmente, ele foi o único espectador desse jogo. E irá comigo demandar justiça contra o plágio.”
(SCLIAR, Moacyr. O imaginário cotidiano. São Paulo, Global, 2013, p. 55)
– O caráter irônico e cômico do texto revela-se, entre outros aspectos, no fato de o jogador amador
A. insistir ter tido um de seus gols plagiado, muito embora confirme ainda desconhecer a identidade do jogador responsável pelo delito.
B. criticar a qualidade do futebol realizado no Reino Unido, sugerindo que os gols dos jogadores Michael Owen e Ryan Giggs não exigem esforço.
C. descrever o gol do jogador inglês e logo em seguida descrever seu próprio gol, dando a entender que não há semelhanças entre os lances.
D. ameaçar ir a juízo caso não seja atendido em sua reivindicação, mas não dispor de um registro visual do gol que alega ter sido alvo de plágio.
E. Afirmar que está seguro de sua vitória em juízo e, no entanto, apresentar apenas o filho de dez anos como testemunha para o evento relatado.
Comentário:
Percebeu que é uma crônica? (É preciso ler crônicas regularmente!)
Deu-se conta da ironia usada no texto, em que a “voz do texto” (o enunciador) debocha do fato de alguns jogadores de futebol exigirem direito autoral sobre seus gols?
O enunciador do texto brinca com isso dizendo que um de seus próprios gols foi plagiado por um desses grandes jogadores e que, portanto, merecia também receber algo por esse “plágio”.
Com essa pegada irônica e engraçada, ele usa um absurdo (acusar de plágio jogadores profissionais que fazem gols semelhantes a gols de amadores) para atestar outro absurdo: a cobrança de direitos autorais pela transmissão de gols feitos por jogadores profissionais em partidas de futebol.
O enunciado da questão já afirma a ironia que existe na crônica. Isso direciona todo o raciocínio que se deve ter na leitura do texto. Portanto, vamos a cada afirmação de cada alternativa.
A. Afirmação errada. O trecho que torna errada esta opção é este: “desconhecer a identidade do jogador responsável pelo delito”. O enunciador conhece, sim, o jogador. Leia o primeiro parágrafo com atenção, pois ele deixa isso claro: “desejo fazer uma grave denúncia: um dos jogadores citados (oportunamente divulgarei o nome) simplesmente plagiou um gol feito por mim”.
B. Afirmação errada. O trecho que torna errada esta opção é este: “criticar a qualidade do futebol realizado no Reino Unido”. Em nenhuma parte do texto, o enunciador critica a qualidade do futebol inglês. Isso, por si só, já é suficiente para você riscar esta opção.
C. Afirmação errada. No texto todo, ele mostra as semelhanças, tanto que faz acusações de plágio (mesmo ironicamente). Mas leia o terceiro parágrafo na íntegra de novo. Você vai ver que ele se apega justamente à semelhança entre os gols para acusar o jogador inglês de plágio.
D. Afirmação errada. O gol dele foi gravado (ele fala de “tapes dos referidos gols”). Isso está explícito. Leia o segundo parágrafo de novo. Portanto, a afirmação de que o enunciador “não dispõe de um registro visual do gol que alega ter sido alvo de plágio” é mentira.
E. Afirmação certa. Isso está explícito (escrito com outras palavras [paráfrase], mas explícito) no último parágrafo. Leia-o atentamente para confirmar a veracidade da afirmação desta alternativa.
Gabarito: E. (Percebeu que todas as afirmações erradas foram derrubadas com base NO PRÓPRIO TEXTO? É isso aí. É assim que se faz.)
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Posso lhe dar uma sugestão? Em vez de gastar aquela graninha com pizza, cinema ou Ritalina neste fim de semana, adquira meu curso de interpretação de textos e invista em você! Eu não tenho a menor dúvida de que este curso lhe vai abrir a mente para questões de interpretação. Confie nisso!
Ah! Devore o capítulo 34 da minha gramática.
SUCESSO!